4.12.08

Música e "A Vida de David Gale"

Num filme, nada é por acaso. Todas as cenas são pensadas. Quando se trata de trilha sonora, então... O cinema combina três artes em uma só: é artes plásticas, porque é visual; é cênico porque trata de pessoas atuando; e é musical porque...bem..se utiliza de música. Nos filmes mudos, a música dava o tom, era com a música que se tinha como saber as nuances de emoções das personagens. O filme falado tirou um pouco dessa importância da música, mas, mesmo assim.. o que seria daquela cena de morte se não fosse o ta-da-da-daaaa (o que seria dos filmes do Tarantino se não fosse as trilhas sonoras absurdamente subvertidas que ele escolhe?)

O filme em questão é.. A vida de David Gale do inglês Allan Parker. Parker, acostumado a dirigir filmes com críticas politizadas, como O Expresso da Meia Noite , conseguiu unir o político ao hollywoodiano quando colocou, lado a lado, a crítica à pena de morte (já existente em filmes dos anos 30 de Fritz Lang) e o suspense da descoberta. David Gale (Kevin Spacey) é um professor universitário, que está no corredor da morte por ter sido acusado de matar e estuprar uma colega, Constance (Laura Linney). Um detalhe: os dois fazem parte de uma Associação que luta contra a pena de morte! Elizabeth Bloom (Kate Winslet) é uma jornalista, que consegue entrevistar Gale enquanto este está preso. Bloom começa a investigar sobre o caso de Gale, e descobre que este é "inocente", e que foi criada a morte, apenas para que ele mostrasse que o Estado mata sem razão. Ele morreu sem ter ,efetivamente, cometido o crime ao qual foi acusado.

Mas, sobre crimes, castigos, punições e tudo mais, você pode entrar nos links que tem aí do lado, porque cada blog desses vai ter um texto sobre esse filme. O meu enfoque, e o enfoque do Amplifika é a música! Na cena final, toca uma ópera. Uma das personagens, desculpe-me não me lembro o nome, está num teatro, assistindo a uma belíssima ópera.

Trata-se de Turandot, de Puccini, o mesmo criador da famosa Madame Butterfly. Mas não é qualquer cena da ópera, é a cena em que Liú se mata. Uma das cenas mais bonitas e, ao mesmo tempo, trágicas da ópera.Uma pequena passagem para que vocês saibam de que que raios estou falando: Turandot é uma ópera que conta a história da Princesa Turandot, filha do Imperador Altum da China.

Ela odeia todos os homens, e jura que jamais se entregará a nenhum deles; isto devido a um fato ocorrido na família imperial que a traumatizou para sempre: o estupro e assassinato da princesa Lo-u-Ling, quando os tártaros invadiram e conquistaram a China. Seu pai, porém, exige que ela se case, por razões dinásticas, e para respeitar as tradições chinesas. A princesa concorda; porém, com uma condição: ela proporá três enigmas a todos os candidatos, que arriscarão a própria cabeça se não acertarem todos os três, e somente se casará com aquele que decifrar todas as três duríssimas charadas. A crueldade e frieza da princesa não fazem mais do que atiçar a paixão do Príncipe Desconhecido, filho do deposto rei dos tártaros, que decide arriscar a própria vida para conseguir a mão da orgulhosa princesa.

Mas, onde entra Liú na história, você me pergunta. Bem, Liú é uma serva do rei Timur, pai do Príncipe Desconhecido. Ela é apaixonada pelo príncipe, e completamente devota a ele. Quando o Príncipe consegue responder às três questões de Turandarot, esta ainda não quer casar com ele. O Príncipe, então, dá um desafio a princesa: diz que não quer se casar com ela a força, e dá um dia para que ela descubra e acerte qual é o seu nome; se ela o fizer, ele desiste da idéia de casar e ainda dá sua cabeça aos carrascos.

A princesa, maluca de desespero para responder corretamente ao desafio, começa a procurar qual é o nome do Príncipe.Vasculha com os soldados por toda Pequim, e nada acha. De repente, alguém se lembra de que viu o jovem príncipe em companhia de Liù e do velho. Turandot ordena que Liù seja torturada, até que revele o nome do príncipe; ela morre sem dizer uma palavra .

É aí, que entra o filme, amigos e amigas. A cena final de A vida de David Gale, conta com a aria que Liú cantou antes de morrer. Com a sua agonia de morte e toda essa aura de sacríficio que ronda o fim de Liú. Visto assim, dá para se fazer um ótimo paralelo entre o sacríficio de Liú e o de Constance (bem como o de David Gale).

Todos eles morreram em favor de um ideal. Enquanto o de Liú era o sentimento que nutria pelo Príncipe, o de Constance e o de Gale era o desejo de Justiça, o desejo de mudar as coisas. Ora, a vida de Liú não iria ser perfeita nunca, pois ela sabia que nunca teria aquele que mais amava; a vida de Constance já estava no fim, a de David Gale também, tinha acabado de perder a mulher, os filhos e quase, o emprego. Nenhum dos três tinha nada a perder. Nenhum dos três se resignou a um poder maior, um poder do Estado: na ópera é a figura da Princesa Tundarot; no filme, à Justiça.Eles não ligavam para a própria vida, importavam-se mais com os ideais para qual lutavam.

Outra ligação que podemos fazer entre a ópera e o filme, é com a personagem de Liú e a repórter. O momento de libertação da repórter culmina no fim da ária de Liú, culmina com o momento de libertação da escrava. Apenas morta ela poderia ser feliz, pois sabia que, morta, tinha protegido aquele que mais amava, o Príncipe.

Sim, ladys and gentleman, nada em um filme é colocado de maneira inocente!

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