17.10.08

Visões da Cidade

Quer algo mais clichê que a Av. Paulista quando se fala de São Paulo???

São Paulo, a terra da garoa, terra que tem gente boa... e que gosta de trabalhar. Se você foi criado ouvindo Xuxa, como euzinha aqui, então com certeza já escutou esse refrão (e já deve ter ficado com ele repetindo na sua cabeça, tal qual uma das músicas do Bon Jovi ou do U2). Se não, com certeza, já escutou e/ou viu algum clichê relacionado a essa linda megalópole.Bem, a edição de aniversário da Rolling Sotne desse mês (RS25) veio com uma revisitnha a mais, um guia do "Melhor de São Paulo", feito por ninguém mais, ninguém menos que... Alice.

Não, não essa (por falar nessa aí, tenho que comentar sobre a existência de uma foto em que uma das blogueiras do Amplifika personifica essa personagem mítica da Disney e do Lewis Carrol)! A Alice em questão, também não é a Alice Braga, embora tenha bastante a ver com isso de audiovisual. A Alice , dona do guia distribuido junto com a revista, é a personagem principal da série...Alice, produzida e reproduzida pela HBO Brasil:


"série inédita realizada em parceria com Gullane Filmes, produtora responsável por Bicho de Sete Cabeças. A direção geral é assinada pelo cearense Karim Aïnouz, conhecido por sucessos como O Céu de Suely, e pelo baiano Sérgio Machado, que tem no currículo filmes como Cidade Baixa. O novo produto faz parte de uma estratégia do canal de aumentar cada vez mais as produções nacionais.


Alice conta a história da personagem homônima que sai de Palmas, Tocantins, depois do pai se suicidar e vai para São Paulo receber uma pequena herança. Ao chegar na metrópole, a protagonista descobre um mundo nunca antes visto, conhece novas pessoas, vivencia diferentes emoções e, por isso, decide ficar mais tempo na capital paulista. "
(retirado de : http://www.revistaparadoxo.com/materia.php?ido=4802)

Você deve estar se perguntando, por que, raios,eu não escrevi uma resenha da série por mim mesma? E eu respondo prontamente: porque nunca assisti a um capítulo dela! Não tenho HBO , nem em casa, nem na república! Escutei falar muito por cima sobre a série.E, mesmo com a sua estréia, não escutei nenhum comentário sobre ela, nem mesmo a mídia falou tanto dela, o que pode significar duas coisas; 1. só tenho amigo pobre que não tem HBO ou 2. a série não fez lá tanto sucesso. A primeira opção pode ser bastante verdadeira, porém, creio que a segunda prevaleça.(eu sei que esse argumento é falacioso, mas ... não tirem o seu mérito!)

Então, fica a pergunta : Por que a Rolling Stone resolveu fazer um suplemento sobre uma série que não tá fazendo algum sucesso??Por quê? Resposta única e válida: porque a série é .... hyppe. Porque é algo cult, foi filmada e dirigida por diretores de filmes brasileiros que foram aclamados pela crítica, fala sobre São Paulo, a nossa própria megalópole global, a nossa própria Nova York. Uau, a série é quase um... Sex and The City!!

Escutei falar que um Nova-yorkino fica fulo da vida quando se diz pra ele que a visão que você tem da cidade dele veio de Sex and The City ou de Friends! Posso entender o estresse com os clichês!

O que nos leva ao começo do post, em que falei sobre São Paulo. Antes de falar sobre o suplemento da revista em si, preciso falar da minha relação com Sampa (sim, eu vou virar o Diogo Mainardi um dia!). Sou paulista, mas não paulistana. Nasci em Santos, litoral. E viajava ocasionalmente para São Paulo, para emocionantes eventos sociais...ok, bem menos... eram apenas festas de aniversários dos meus priminhos e/ou tios. Embora já tenha vindo fazer um passeio bem coxinha que começou no Mercadão e terminou no Parque do Ibirapuera em baixo de um frio de raxar. Bem, para mim São Paulo era a cidade da cultura, a cidade em que tudo acontece, o lugar em que tem as melhores baladas, os melhores shows, as melhores cabeças pensantes ou não, os caras mais gatos. Enfim, era quase minha Pasárgada!

Passei na USP (felicidades pra mim!), e passei também a ir mais pra São Paulo que nunca. Lógico, a minha faculdade agora é lá(ou aqui, não sei aonde lerá esse post!). O que acabou resignificando todas as minhas idéias e todo o meu recorte sobre a cidade. Isso quer dizer que, peguei todos aqueles pensamentos que tinha e comecei a falar um "Not thaat much!" pra eles. No começo desse ano me mudei pra Sampa, e agora, com quase um ano morando nessa cidade, posso afirmar que.. ela não é todo esse Glamour.

Glamour que a mídia tenta perpetuar sempre, seja em forma de imagens ou de palavras imagéticas. Isso tudo mexe com o imaginário daqueles que nunca colocaram o pé nas calçadas, que no momento passam por uma reforma enoorme, da av. Paulista. E isso nos faz voltar (a mestra em pensamentos circulares!!) para a Rolling Stone e seu suplemento! A idéia dele é mostrar a visão da cidade a partir da personagem Alice.

Comecemos do príncipio, e quando chegarmos no fim, paramos (só para parafrasear a Alice-Disney). A "revistinha" não é assinada. Isso não é um choque tão grande, tudo bem as matérias não serem assinadas. Mas, o suplemento não tem nem o expediente. O que me faz pensar que... ele foi criado por fantasmas camaradas. Ou... que foi coisa da HBO de fazê-lo! Como odeio teorias conspiratórias, prefiro a idéia de que fantasmas legais e super hyppes escreveram as (cof-cof) matérias.


A primeira página da revista contém uma "carta" assinada pela personagem, e contém o email dela, embaixo da assinatura! Me pergunto se alguém mandará um email pra personagem reclamando sobre o que ela escreveu. Dessa parte destaco o último parágrafo : "Nas próximas páginas, segue uma lista de shows, lojas, clubs, bares, restaurantes e dicas.Um guia para ajudar aqueles de primeira viagem, como eu, a entender e estender, ao máximo, a sua passagem por aqui [São Paulo].E, para aqueles que são daqui, espero que minhas dicas possam ajudá-los a sorrir nesta metrópole que não pára nunca. Prepare-se para ser arrebatado ao infinito." Atente a frase em negrito: sim, isso é um clichê! Uma idéia fixa de que São Paulo é uma cidade que não dorme, logo, todos os seus habitantes não dormem! Isso...amigos... é uma falácia! Falácia de Pressuposição! Na falta de uma premissa, usou-se essa pressuposição sobre a cidade de São Paulo! O fato da cidade ter muitos bares e baladas não indica que ela nunca dorme, visto que, por exemplo, o metrô pára de funcionar durante a madrugada! São Paulo não é por inteira.. 24 hrs ligada!

Na segunda página, o "índice", já se percebe que a São Paulo que será mostrada nesse Guia não é a "verdadeira", não é a complexa São Paulo de mais de 10 milhões de habitantes, é a São Paulo superficial dos turistas e do imaginário das pessoas que não moram lá. É a faceta bonita de Sampa. Esse não é o problema do Guia, até porque, se pensarmos que se trata de uma revista existente em todo o país, o guia tem que ser bastante... turístico. O que incomodou foi a intenção dele! Um dos textos do índice contém a seguinte frase : "A São Paulo que você descobre dia a dia, lugar por lugar, esconderijo por esconderijo." Quando, na verdade, se trata de um guia como outro qualquer da cidade. Ele não vai apresentar para a gente um lugar super-obscuro da cena paulistana, não vai mostrar aquela rua linda que ninguém conhece ou uma galeria de arte com novos quadros de novos pintores da cidade. Não! Ele vai mostrar pra você o que todo mundo já mostrou: Parque do Ibirapuera, Galeria do Rock, Sebo do Messias, Brechó Minha Avó Tinha e o Studio SP! Até eu que não era de São Paulo conhecia esses lugares, antes mesmo de passar na USP!!!

Parque do Ibirapuera : um dos Esconderijos de São Paulo, segundo Alice.

Esse conflito de discursos acontece bastante na própria Rolling Stone, revista, que se diz uma porta voz do mundo da música, ou melhor, de "Tudo o que importa!" (slogan da revista!), quando apenas, mostra apenas o mundo do pop. E, se a gente for pensar bem, acontece com a maioria dos meios jornalísticos. Alguns proclamam-se donos da verdade, quando se empenham em mostrar uma pequena parte dela. É o que mais me irrita no jornalismo, esse misto de hiporcrisia e esquizofrenia!

Vamos às páginas seguintes, a primeira parte é o "Guia SP", o título dessa matéria é "Mil Lugares". O que corrobora a minha opinião escrita alguns parágrafos acima, de que, eles tão MENTINDO. Já que mostrarão os lugares mais conhecidos da cidade. Os textos parecem bastante com releases , mostram onde ficam os lugares o contato para eles. E.. os "mil lugares" escolhidos foram ...12: o Sebo do Messias, a Galeria do Rock, Studio SP, Clube Berlin (uma baladinha do centro/barra funda, perto da casa de uma das blogueiras do Amplifika, by the way), Ibotirama (um boteco da Augusta) , o Parque do Ibirapuera, a Feira da Benedito Calixto (essa é perto da minha casa), Lanchonete da Cidade, Brechó Minha Vó Tinha, Milo Garage ("uma das noites mais simpáticas da cidade", na Consolação), um bar da Praça Roosevelt, e o CB (uma cervejaria da barra funda). Analisem que a gama de lugares não beneficiou lugares como..a Zona Leste, ou até mesmo o tão famoso Itaim Bibi.Opa, acho que não eram tantos "esconderijos" assim! Esse guia inteiro acaba criando uma "Falácia de Divisão", pois ele pega umas partes da cidade e mostra como se fossem toda ela!!

Mas... o melhor, quer dizer, o mais engraçado, ainda está por vir. A próxima sessão se chama "P&R", e se trata de (nossa nem sei como escrever isso sem parecer muito patético) uma enstrevista com a personagem!!!!! Por favor, entendam toda a minha ironia ao escrever isso! Não tem como não ser irônica ao pensar que gastaram páginas e diagramação, numa entrevista com uma... personagem fictícia. Se ainda fosse uma entrevista com a Alice do Carrol, ainda ía. Certeza que esta falaria coisas muito mais interessantes que aquela (como por exemplo, poderia me explicar qual era a sensação de mudar muitas vezes de tamanho.. e de cantar com as flores...)! Quer dizer, esse suplemento fez algo que nem aquelas revistas à la "Minha Novela" fazem! É um tipo de promoção desnecessária à série. Sem contar que não é nada jornalístico, já que, não se trata de uma entrevista com uma pessoa real! É apenas uma forma "diferente" de se re-e-contar o enredo da série. Enredo que já é mostrado a exaustão durante a "revistinha".

Próxima sessão: "Top 20", com os SETE melhores shows que ocorrerão na cidade. Eu juro que prefiro não comentar sobre esse erro. Nem sobre o erro de eles não terem colocado o número 6 no box "Mais sensações", usando o numero 3 de forma repetida! Quero , antes de tudo, destacar as últimas frases da linha fina desta sessão : "Quer dançar? Impressionar? Comprar? Fazer amigos? Causar boa impressão? Siga o caminho da felicidade" Assim, isso fora de contexto parece uma chamada da revista Capricho.

Novamente, observa-se a presença de textos parecendo releases sobre as bandas que farão os shows. Agora, um detalhe, além de dizer quando e o contato dos lugares onde acontecerão os shows, eles colocaram um link do MySpace das bandas/artistas, o que é bem legal, e colocaram... um tópico diferente em cada artista. Por exemplo, sobre o show do Kanye West, tem o quando, o ouça agora, e um... "vista-se" com a indicação de uma loja que tem roupas parecidas com o estilo do cantor. Sim, eles conseguiram colocar mais um espaço para vendas. Esse guia todo parece uma grande propaganda, contendo dentro dela, pequenas propagandinhas. A grande propaganda é, logicamente, da série, e as pequenas, são desses lugares. As ligações entre o artista e os lugares são forçadas. Na parte do show da KT Tunstall, tem um tópico chamado "Sua Trilha", com uma propaganda da 2001 Vídeo!! Juro!! Existem sim tendÊncias falaciosas nessas ligações um tanto incoerentes, o que o Marcelo Camelo tem a ver com o MAM??

Próximas páginas, contam com uma crônica/narrativa . A sessão se chama "12 horas". O nome do texto é "Aquela Noite- A saga de Alice à procura de baladas". Sobre o texto, não falarei nada. Agora, sobre os lugares em que Alice está no texto, posso, com certeza falar. Porque são lugares que vou! Ela começa o texto no cruzamento da Av. Paulista com a Rua Augusta, ela desce a Augusta, vai até o Espaço Unibanco"ponto de encontro de cinéfilos em busca de novidades e uma certa paquera", qualquer cinéfilo de Sampa sabe que o verdadeiro cinema em que eles estão reunidos é o HSBC Belas Artes, ali perto, na Rua da Consolação, ela pára para comer n´O Pedaço da Pizza (lugar ótimo, se quer saber) , ela entra no Center 3, no Multiplex Playarte Bristol, onde toma um café na Starbucks, volta para ver o filme, enfrenta uma fila, depois vai para o Studio SP, lá embaixo da Augusta. E de lá, vai tomar café no BlackDog. Se alguém me disser que dentro desse passeio todo existe alguma poesia, vai ter que me mostrar a poesia com todas as letras. Eles tentam mostrar a noite da cidade como algo excitante e novo, como... algo cosmopolita. Talvez por se tratar de um local que sempre vou, esse texto teve o efeito contrário em mim, me deixando com mais raiva desse exagero para com a noite da cidade.

Rua Augusta: o lugar onde tudo [???] acontece

Na sessão seguinte, temos dicas de filmes que passarão na 32º Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Evento em que, impressionantemente, Alice começa a trabalhar na série. Essa parte aparece com uma seleção de quatro filmes que você "tem que ver" na Mostra. É muita presunção achar que eles sabem o que é bom dentro de uma Mostra enorme. Mas, considerando que eles já ditaram aonde você deve ir de dia e de noite em Sampa, acredito que mais um tipo de dica não fará mal a ninguém.

Logo após essa parte "Filmes-cult", temos a sessão "Álbum", sob o título "Olhares", temos fotos clichezentas de pontos turísticos de São Paulo. A única foto com um ponto de vista mais ou menos diferente do convencional, é a foto da Avenida São João. Inclusive que podia ficar horas escrevendo sobre como essa música "Sampa" molda olhares sobre a cidade. A avenida Ipiranga com a São João é apenas mais uma de milhares de esquinas de São Paulo, mas, como aconteceu com a própria cidade, ela foi mitificada. Nesse suplemento conseguimos ver a força que é o mito da cidade de São Paulo.

A próxima, e penúltima parte, mostra a ficha técnica, com a galera dos bastidores da séries. Então, tem-se as fichas técnicas mesmo dos atores e diretores da série. E, como um caso de hipermídia, é a série falando dela mesma. Num guia escrito pela personagem, ela deixa as ultimas paginas para falar daqueles que a criaram, daqueles que estão por trás de sua realidade falsa. A revistinha acaba então, de maneira circular, com uma sessão chamada "Ressaca", com algumas dicas de Alice (10, para ser mais clara, e mais clichezenta) para o dia-seguinte após a bebedeira. É o primeiro toque de humor que temos na revista inteira, pena que é só no final dela!

Bem.. a conclusão que cheguei: o mundo tá se acabando, o meio ambiente se esvaindo, e a Rolling Stone desperdiça papel com um guia que não serve para nada, além de promover uma série que já está acabando na HBO! Esse guia não serve para pessoas que não moram na cidade, já que mostra lugares que elas nunca irão, e lugares conhecidos demais; e não serve para alguém que mora , efetivamente, na cidade, porque ele repete informações já sabidas de forma ...forçada. É como uma grande propaganda, como eu já disse alguns parágrafos acima.

Para encerrar, tenho uma idéia pra Rolling Stone do mês de Novembro: fazer um guia do Leblon, escrito pela Helena de "Mulheres Apaixonadas", aproveitando o fato de a novela estar passando no Vale-a-Pena-Ver-De-Novo.


Beijosmeliguem vocês da Rolling Stone!

1 Responses (Leave a Comment):

Ana Paula said...

Nossa, q texto grande! Mas ficou legal, dei mta risada da sua sugestão final.
E, só pra ilustrar, acho q a Alice faria um guia mto mais interessante se contasse q, no caminho para o Studio SP, vc pode ver uma pessoa louca e armada rendendo 4 ou 5 pessoas na calçada oposta à sua!! E sim, isso aconteceu hj cmg, Rick, Iana, Marocs e Letícia!
Isso, sim, pra mim, foi a grande decepção com São Paulo. Pq a violência dela tbm é mitificada, e foi um choque lidar com ela de verdade.